sábado, 23 de abril de 2011

À Espreita

Parecia que eu estava presa a um questionário inquestionável.
Metáforas a serem construídas utilizando lógica e razão
E eu, atada a emoção, sentia-me afundando em mar profundo
Buscando entender o meu próprio Eu.
Não sou uma incógnita nem uma definição
Não corro atrás do vento para conter seu ritmo
Nem construo muralhas para detê-lo
Não lambo estrelas para roubar-lhes o brilho
Nem assino telas que nunca pintei
Na minha simplicidade cultivo flores
Em jardins diáfanos e quintais sem reis
Onde os pássaros voam e deixam sementes
Enquanto gorjeiam sem buscar o além
Não possuo a verdade nem um fato concreto
Nem mesmo suporto o indecifrável
Já que a linha é reta e a página espera
A frase inédita que sempre aguardei.

domingo, 3 de abril de 2011

Pensando Alto


Quem ama ganha a luta
Que não é feita de round
É como perseguir o vento
Ultrapassá-lo
E ainda repetir manobras.
Não há morte que o vença,
Nem tropeços, nem disfarces.
Quem ama veste-se de leão
E abate a presa bem fácil.
Utilizando-se de carinhos,
Gentilezas e nenhum ataque.
Quem ama deixa rastros,
Brilhos na poeira que assenta
E digitais por todo espaço.
Quem ama se mostra translúcido
Torna-se justiceiro, defensor
E guerreiro feroz no amor.

Viva voz


Tua sede de tantas águas
Todas límpidas, todas calmas
Tenho-as aqui
Em minha boca que fala.
Palavras ditas baixinho
São como aves no ninho
Que sonham com o despertar.
E como a noite é insone
Brincamos de sermos poetas
Até o dia raiar
Criamos a nossa trama
Trançamos nas pernas
A fome
O que irá nos saciar?
Ai de ti,
Que te afogas
Em minhas águas
Ai de mim
que nelas queimo
já que são quentes e
sem meios de esfriar.

Minha boca nunca se cala.

Reescrita


Estou organizando minhas lembranças.
Separando o velho do novo, o riso do pranto.
Encantando-me com o passado infantil
E enamorando-me do presente
Onde as boas experiências fizeram-me mais amena,
As decepções, mais exigente.
E os erros, menos distraída.
Saudades? Muitas.
Dos campos verdes da infância
Das serenatas da adolescência
Dos afetos amigos
Das conquistas sem pretensões.
Desmembrar lembranças traz um sabor doce às palavras.
Quintais de goiabeiras, chuvas lavando vidraças.
Sinos convidando a reflexões.
Cada lembrança com seu tempero
Seu perfume, seu começo.
E eu, folheando a memória,
Reescrevo a minha história
E dou-lhe um final feliz.

sábado, 19 de março de 2011

Canção do Amanhecer


Mãe Terra
Mãe Lua
Mãos que colhem
Mãos que expurgam
Terra que alimenta
Lua que vislumbra
Pelo mar que invade
pela luz que ofusca
na Mãe Terra
que produz
raízes para
sustentar o mundo
há uma Lua
deserta
chorando muito profundo
Mãe Lua
libertai-me
deste sonhar absurdo.
Dai-me o Sol acolhedor
o cantar do vento nas curvas
e o abraço do amanhecer
em cada solene segundo.

Revoada


Senti o teu regresso como uma melodia.
Como um déjà vu inexplicavelmente explícito.
Sombras dissipadas retomando formas fizeram-me sorrir.
Não eram caricaturas.
Eram formosas e possuíam essência.
Um suave gosto de menta invadiu meus lábios
E pude então dizer teu nome
em monossílabo, em suspiros, em êxtase!
Vieste com os pássaros migratórios
E pude, então, te suprir de amor.

terça-feira, 15 de março de 2011

Sob a janela, as cordas


Um perfume de acácias
e uma primavera de ventos frios.
Sob a janela os acordes de dedos ágeis
perfuram minha alma e me fazem sonhar.
Todos os sonhos de uma natureza
que adormece sombreada por nuvens...
Todos os meus sonhos, envoltos na singeleza,
procuram o branco do luar.
E a música das cordas baila com o vento
entra em minha veia, corrompe os meus sentidos
e o pulso antecipa.
Sonoridade. Noite bela.
Sob a janela
cordas me enfeitiçam.
Semitonal perfeito.
Asas aos sonhos
porque esta noite
o vento, rarefeito,
parou para escutar...

Crepúsculo


Foi ótimo que estivesse aqui quando despertei.
O dia tornou-se agradável com a sua presença.
Às vezes me questiono o fator tempo.
Vivo a procura do meu.
Está perdido? Camuflado? Sequestrado?
Sei que não caberia uma definição.
Eu mesma enrolo-me em espiral.
Porque é menos dolorido eu me culpar
por não retê-lo, do que aceitar que ele se foi.
E é absoluta essa certeza que ele não volta.
Não mesmo. O tempo não volta.
Eu sei que você sabe.
Se ele voltasse, garanto a você,
eu alteraria os ângulos.
É por isto que eu lhe disse
que às vezes (só às vezes) me questiono.
São milésimos de segundo.
Coisa pouca.
E nessa coisa pouca, vasculho uma eternidade.
Mudo a cor, a textura, o sabor.
E o crepúsculo torna-se confortável e deleitável
Como esse chá que tomamos enquanto a noite desperta.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Amor Antigo


Que idade eu teria na época?
Uns oito anos, talvez.
Lembro-me de estar jogando bola
Um vôlei completamente errado
Quando chegou minha vez de rebater
A bola foi tão para o alto
Que eu, ao olhá-la, caí de costas.
Foi nesse exato momento
Que descobri o céu.
E enamorei-me dele para sempre.

Inacabado


É um assombro.
Tinha certeza que, dentro de mim, havia dizimado alguns quereres.
Realmente não os dizimei. Estão latentes.
Por que então será que cometi um desatino tão intenso?
Cobrir uma cascata que jorrava com que tipo de vegetação?
Sei que cobri. Eram pinheiros, jatobás, carvalhos...
Cercados por azáleas e visitados por pássaros migratórios.
Nem pousos faziam, porque toda a água estava submersa.
Somente raízes é que saciavam a sede.
E foi por amor. Sempre é por amor.
E o que amamos?
Sem questionamentos, tudo. Céu, terra, mar.
Universo. Seres vivos e inanimados.
Temos um potencial infinito de amor.
E devido a esse potencial, fazemos nossas escolhas.
Vou amar o feio, o bonito, a cor, a falta de cor,
o claro, o escuro, a vida e a morte.
Queremos amar. E muito.
É como se o brilho do olhar, o sorriso cálido, a
voz serena, fossem quesitos de suma importância.
E são.
Dentro de cada um de nós, não há espaços sólidos.
Há espaços movediços.
E quando deslizamos e ficamos presos neles o que poderá acontecer?
Não sabemos se não deslizarmos.
E deslizamos, nos prendemos, fixamos, até sentirmos asfixia.
Muitas vezes não sabemos nos soltar.
E ali mesmo, morremos.
E foi o que pensei quando decidi dizimar quereres.
Só que me enganei.
Meu potencial de amar não é tão restrito.
Abrange uma infinidade de poderes.
Posso, sim, amar a boca da noite.
O grito do dia.
A voz do silêncio.
Posso amar a antítese até o máximo do grau Celsius.
Amar até o meu desamor, quando ele acontece.

Percepção Noturna


Tateando o abstrato
tropeço no espaço
ouço eco de um abraço.
Apago a luz da candeia
e próxima à soleira
vejo o finito da rua.
Uma poça d’água trêmula
reflete a Lua cheia
amando o céu estrelado.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Motim


De repente ouço luzes
Meus olhos dizem loucuras
E minha boca se cala

Minhas mãos andam perdidas
Meu coração suspira
E minha boca se cala

De repente paro o tempo
Meu beijo voa ao vento
Meu mundo na ante-sala

Meus pés dispensam a busca
Meu ventre, sem véus, estremece,
Meu sonho rejuvenesce.

Minha alma exporta o silêncio
A minha pele traduz incêndio
E minha boca já não se cala.

Tua voz invade meu templo
Aconchega-se em meus seios
E em minha boca se instala.

E juntos treinamos o amor
Surtos de kama sutra e cabala
Além do querer que exala,

Minha boca, então, fala.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Eu coexisto


Coexisto na alegria e na tristeza.
E no excesso, coexisto na busca e na desistência.
É pouco o tempo que utilizo para parar de pensar.
Se for relativo o finito, se é imaginário o infinito,
por que não ser possível a metamorfose no risco?
Busquei flores em pedras e rasguei poemas inteiros
mas afirmo que no meu jardim há primavera o ano inteiro.
Sou assim: metade arte, metade imperfeição.
A me ver refletida no espelho
a amostra primeira tem cor de alma
as outras, lampejos de florescimento.
Faço, refaço e me transmuto
porque sou a filha do vento.
Muitas vezes forte outras vezes frágil
luto contra o esquecimento.

terça-feira, 1 de março de 2011

Você sabe!


...deveria ter compartilhado da minha vida.
Seríamos os mais loucos neste mundo de loucos.
Juntos, beberíamos de toda água
Inclusive daquela água que nos alucinaria
Nós não iríamos sós ao mundo da lua
Levaríamos um contingente enorme de insanos conosco
Tocaríamos harpa com os anjos
Cearíamos com os deuses
Ah! Mas você não percebeu...
Passou por mim e nem me viu...
Lembra? Eu era aquela que você evitava
A que conversava com os peixes
A que fazia versos para os enclausurados
A que libertava os pássaros do cativeiro
Você não quis viver comigo o amor
Faltou-lhe a ousadia do guerreiro
E faltou-lhe coragem, tão necessária,
de enlouquecer de amor por inteiro!

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Lenda


Fui além da lenda das montanhas
onde habitam as águias esfomeadas
Plantei a semente no úmido solo
e esperei por chuvas abençoadas
Além, muito além do entendimento,
abrasei raízes entre as rondas
e entoei melodias afinadas.
Beijei a boca da noite em suspiros.
E, em suspiros, mordi o dia que raiava.
Gestei por milênios o destino
até vê-lo sucumbir por entre fráguas.
Fiz-me lenda impoluta e eterna
porque amei o amor como quimera
até fazê-lo mito de minhas eras.

Procurei bem


"Se procurar bem, você acaba encontrando
não a explicação (duvidosa) da vida,
mas a poesia (inexplicável) da vida."
Drummond




Há poesia no caos que destila a dor
e na sabedoria que eleva o amor.
Há poesia nos passos largos das horas
e nas chuvas que incentivam as floras.
Saio à caça da palavra que traduza
o olhar atônito ante a vida.
Uma lágrima escorre-me pela face,
tornando-me a visão distorcida..
E escalo espinhos. Sem proteção,
as mãos sangram, mas, persistem.
Em cada rasgo firo minh’alma
enquanto a poesia se auto-rabisca.
Procurei muito, Poeta.
A vida é um poema em aberto.
É nas ranhuras dos versos
que o inexplicável mostra-se
essencialmente desperto.
E concordo contigo.
A vida e o seu reverso,
inexplicavelmente,
sempre terão poesia.

Pela borda da taça


Anoitece.
O outono inverna.
As estrelas sentem frio.

Ruas cansadas
De passos exaustos.
Portas abrem com ruídos.

Chinelos arrastam.
Mãos fadigadas.
Corpos buscando abrigo.

Anoitece.
Lá, onde o agito perdura,
Bocas sorriem de tudo.

Embalada pela balada
Sonho sonhos vagabundos.
Escorre-me pelos lábios

Vinho sabor mundo...
Principia junho.
Na garganta, sem lamento,

Canto a canção do vento.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Tu e Eu*


Ando invadindo fronteiras
Desfazendo linhas
Modificando o vento
Enquanto tu reverberas
Luminosidades
Apagando traços do tempo
Eu,demonista
Tu,xaua

Dou-te meu colo em abrigo
Alivio tuas dores romeiras
Com beijos alivio teu fardo
E tu combatendo as feras
Quebra as seitas homéricas
Redesenhando a mandala
Eu,caína
Tu,fão

Sorrio as vias tortuosas
Extraio perfume de pedras
Exalto a vida que é bela
Enquanto tu esmurras
A ponta do teu iceberg
Bebendo o sangue in natura
Eu,crasia
Tu,telado

E assim vivemos à parte
Eu, tateando a visão
Tinjo de cores as sombras
Tu, gesticulando a boca
Digeres teu aprendizado
Somos em cada encontro
Eu,biótica
Tu,rrão

E o que poderia ser fábula
É tão somente mania
Tu e eu somos um caso
Avesso à psiquiatria.




* a partir do poema de Luiz Fernando Veríssimo
com o mesmo título.

Um Epitáfio


Em mim houve o receio
que a vida fosse somente
o meio para que as dores
de todas as frustrações
me esquecessem num labirinto.
Sei lá, um quebra-cabeça
com peças idênticas:
mesmo cortado, mesma borda
com todos riscos afins.

Saí mundo afora levando tudo que possuía
Olhos brilhantes, sorriso constante
euforia ilimitada do gosto pela vida...
Tracei alguns projetos. Me vi em muitas retinas.
Conselhos? não. Queria meus acertos e meus erros
queria ser dona de mim..

E fui. Viajei por décadas em sintonia
sugando emoções, alegrias, tristezas
montei o meu palco com flores,
algumas cinzas, alguns amores
alguns saberes, alguns pudores
e foi assim que me fiz.

Não encontrei no amor
o sentimento que todos exultam
Por ele ou através dele, desencantei-me de
príncipes, reis, súditos e por pouco
não sucumbi.

Nunca camuflei o sentir.
Deixei-o livre, tecendo linhas
e ainda bordo alguma ousadia
sem nós, sem avessos
provando que ainda posso
preencher meu próprio espaço
utilizando esperança, bom senso,
e vivendo cada momento,
como o derradeiro; aquele do fim.

Não. Não me basto. Não sou
auto sustentável. Necessito
de todo o externo.
De um carinho doce, num gesto
de um aperto de mão, sincero
De cumplicidades, de colo,
de compartilhar sem segredos
as margens, o miolo, o recheio,
de todos meus sentimentos
sem que a sanidade ou loucura
que cada um traz dentro de si
me empurrasse novamente
para um beco sem saída
onde nem a psicanálise
com seus dogmas, soluções,
questionamentos,
conseguiria o meu resgate.

Calma! O meu viver é lúcido
apesar de tudo
Parece insano? Não é. (O que escutas é o eco)
E rico, apesar de bens não possuir..

Falta muito, para o prefácio.
E muito ainda, para o epitáfio. Espero.

Mas, se houver que seja assim:

Não seguiu a revoada
e no entanto, utilizou suas asas,
para alçar vôos e avistar cascatas.
Nelas, deixou seu recado:
"Vesti-me de águas
purifiquei minha alma
e escolhi ser feliz!"

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Pelo renascimento


Realmente deixei que os sentimentos ficassem sobrepostos na última prateleira.
Olhava para cima e nem os via.
Isto se tornou uma prática segura.
Só que o peso e a força desses sentimentos
fizeram com que a prateleira se partisse.
E passei a juntá-los vagarosamente.
Confiaria novamente?
Apaixonaria novamente?
Não havia rótulos neles.
Não encontrei respostas seguras para os meus questionamentos.
Tirei a poeira acinzentada que os cobria.
Novamente os organizei
e os guardei no cofre do encantamento.
(renascerão?)

Permissão ou Indulgência?


Será uma longa carta.
O que eu poderia lhe dizer?
Do cotidiano?
Desse mundo mundano?
Ou das flores que colocaram no túmulo dos heróis da resistência?
Esses assuntos já nem esbarram mais em emoções.
Preciso lhe emocionar.
Quando foi que derramou a última lágrima?
E por quem?
Por quem choraremos juntos?
É. Temos que chorar juntos.
Senão, como entenderei sua emoção?
Como entenderá a minha?
Não se lembra da última lágrima?
Eu sei das minhas...
Aliás, algumas nem chegaram ao queixo ainda.
Estão fazendo o caminho das faces...
Choro pelos santos e santas.
No momento, choro pela santa ignorância.
Porque ela é permitida.
Porque ela é pueril, apesar de
E porque ela é, precisa e
indecorosamente, presente.
O que sabe de mim? E o que sei de você?
Não nos sabemos.
Nossa santa ignorância não sabe que podemos ser inversos.
De todo e qualquer verso.
De toda e qualquer filosofia. De todo e qualquer pensamento.
Sabia que eu não me sacio da fome?
Eu sei que não sabia.
Nunca lhe contei.
E sua percepção não chegou lá...
Minha fome possui vários nomes:
fome de justiça, fome de valores,
fome de sabedoria,
fome de amor - tanto do
universal quanto do amor bandido
(aquele amor que rapta nossa fortaleza
e sequestra nosso equilíbrio)
Sabia que sou insaciável nessas fomes?
Não sabe.
Teria que quebrar regras para saber.
Teria que escalar rochedos.
Teria que navegar oceanos.
Tente fazer o meu trajeto
e poderá chorar comigo
se eu deixar...

Historinha para adultos


Eu sou o que li.
Sou também o que não li
Sou o Romance
o Drama
a Novela
a Tragédia
Desfiz-me em capítulos
Tornei-me uma Peça
Cerrei as cortinas
Estive nos Atos
no palco
nas telas
Fui ovacionada
Virei best-seller
Romeu e Julieta
foram meus discípulos
O Cortiço e A Alcova
minha total perdição
Fiz-me de livros
Tornei-me contracapa
E contra a regra
tornei-me a única edição.

Entre Folhas


Entre tantos “entretanto” o outono virá suave
E ele paira no ar como uma pluma que o vento não sabe onde pousá-la
Mas saberá encontrar a flor mais delicada e oferecer como ornamento...
Entre folhas, entre linhas, entre tantos desencontros
Virão caminhos desconhecidos, reflexões solitárias...
Nos grandes redemoinhos que as cachoeiras suportam
Há uma tranquilidade no lago onde meus sonhos se mostram
Entre as folhas que repousam e escondem os peixes
Desenho a natureza que tudo envolve...
Entre folhas há rabiscos...
Entrelinhas há a sorte...

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Consequências


Leio em mim duas palavras únicas
Sílaba por sílaba traduzo suas essências
Nas pontas unifico céu e chão
No meio, nada mais que silêncio.

Ao dividi-las ao meio,
Separo o esquecimento da lembrança
Metade é a fuga do meu próprio medo
Metade é a imagem do atrevimento.

E sigo na divisão sem muito método
Em cada pedaço crio um verso
Como se esparramasse riso e pranto
Em meio às reticências que desconheço.

E rubro as faces ao vê-las tão expostas
Tento refazê-las cosendo apreços
Dou-lhes nova pele e assim, renovadas,
Tatuo-as em mim – sou sentimento.

Sobre Saltos



É assim que o mar faz ondas.
Finge tranquilidade e comete arrebentações.
Hoje, estou como um mar.
Lá nas profundezas escondo minha alma
Visto-a de algas de rendas
de saias de conchas
e levo navegantes de um para outro cais.

Amanhã, quem sabe, serei um céu
e asas tentarão me atingir.
Algumas sábias, outras coloridas.
Nenhuma sem bússola.
E uma ou outra, desavisada,
passará por mim, sem sequer um aceno.
Não saberá que aqui é seu lar.
E nem saberá que tingi de azul
o firmamento, sem motivo algum.
Talvez, para eu mesma me fartar.

E me certificarei que ontem,
nem mar e nem céu, eu fui.
Simples demais. Límpido demais.
Ontem não havia melodias
nem brilhos espaciais.
Não havia blocos suspensos
nem a sinfonia do mais.
(mais fé, mais amor, mais riso).
Ontem, os amigos eram vizinhos
inatingíveis demais.
Marcianos de outra dimensão.

Escureceu.
Eu, mar. Eu, céu. Eu, sombra.
Descalça salto nuvens.

Deslizo, com galhardia,
pelo universo
dos meus quintais.

Momentos Insanos


Algumas vezes são passageiros.
Como se fossem chuviscos.
Quando os sinto, vôo para os ares
num avesso de alma e,
tão somente, me traduzo.

Sinto que estou num tablado como peça,
às voltas em monólogos confusos.
Gargalho a dor que me acomete
e lacrimejo os desejos tão profundos.

Pego o gancho na cortina que se rasga
e digo do amor, este tema absurdo.
Retalho a alma em tiras complexas.
Gesticulo a vida entre palmas e vaias
e abraço o palco tão ermo, tão escuro.

No primeiro ato questiono a criança
que matei as cegas, sem salvar seu sonho.
No ato seguinte, ressuscito-a aos pedaços
e grito seu nome, acaricio sua fronte
tentando o resgate de sonhos tão puros.

E danço os passos de uma bailarina errante
E mastigo as falas que atirei bem longe
Ajoelho à fé que me elucidou a fome
e de mãos postas imploro que na saída,
holofotes acesos façam sombra
na insanidade que em mim habita.